domingo, 9 de fevereiro de 2014

O PROBLEMA DA ORDEM OU COM(TRA) HOBBES

É um fato que anarquia não é pensada sob parâmetros vulgares do dia a dia, que a transformam no que conhecemos por baderna, ou falta de ordem, ou guerra incessante de todos contra todos. A anarquia é pensada para ser o oposto desta ideia, é pensada para ser o apogeu, o ápice da ordem, um estado máximo de cooperação entre as pessoas, porque a ordem foi diretamente pensada e projetada por todos.
           Entremos, portanto, no problema da ordem, debatendo a partir de um dos teóricos mais fabulosos a respeito dela, um dos maiores pensadores em uma pretensa “teoria da ordem”, que foi Hobbes. A lógica da ordem hobesiana está em justificar a ordem por meio do Estado, mas de um Estado de tipo (um pouco?) diferente do que conhecemos hoje, um Estado onde a figura do soberano (que ele vai denominar Leviatã) se impõe como central, a partir do momento mesmo em que se percebe que sem uma ordem social, ou seja, que sem um conjunto de normas que visem limitar o poder de um homem interferir na vida dos outros bem como na elaboração de um conjunto de mecanismo capazes de fazer como que tais regras/normas associativas se façam cumprir na ordem da realidade e não fiquem apenas no campo da teoria.
           Hobbes, ao constatar que, sem ordem o homem não pode viver em cooperação, aparentemente, logo em seguida, que estes homens precisam de um poder norteador da ordem, que venha impor e estabelecer as regras custe o que custar. É dizer: a ordem deve ser (e só pode ser) construída por meio do emprego de artifícios coercitivos, artifícios que se valem de ameaça a lesão física, a ordem não se conquista pelo convencimento, mas pela imposição coercitiva de um (grupo) aos demais, então funda-se a sociedade civil e, posteriormente, o Estado. A teoria de Hobbes é: se nas relações dos “homens naturais” (estado de natureza, para usar o termo propriamente hobesiano) o que prepondera é o arbítrio, o “mau menor” que pode acontecer é frear tal estado de coisas com o próprio arbítrio onde todos se submetem a um (grupo) e não mais ficam à mercê de qualquer um. É dizer: antes escravo de um único senhor, que escravo de todos e de ninguém ao mesmo tempo, pois, quando temos único senhor temos um padrão de dominação e a proteção contra todos os outros, não podemos lutar contra o senhor, mas, ao mesmo tempo, o senhor nos protege da violência dos outros escravos, tratamos, todos (os escravos), de viver os demais aspectos de nossa vida, com nossa liberdade restrita ao que o senhor permite que façamos, ao limite que tal “ente” delineia. De outra forma, ficaríamos sempre no “meio do caminho”, ora dominadores, ora dominados, o fato é que sempre estaríamos a nos preocupar ou em manter o domínio, ou em inverter um domínio que recaí sobre nós: que um só (grupo) nos domine a todos então e assim podemos (nós dominados) conviver como iguais (em dominação, porque escravos) ainda que o preço a pagar seja termos todos (nós escravos) um (de)dominador em comum.

           E veja que se não somos livres, tampouco o Estado (Leviatã) o é, o preço de ser o Leviatã é estar sempre comprometido em manter a ordem por todo o tempo (sob quaisquer meios, inclusive às custas de vidas daqueles que contestem a sua soberania). O Leviatã perde seu direito de ser dominador quando não consegue mais impor seu poder, seu direito está em sua força coercitiva e em nenhuma instância mais (ainda que tal poder não se manifeste imediatamente por meio de sua força bélica, esta força é o último recurso usado por ele, mas o primeiro na ordem de importância, daí porque todo Estado tem uma milícia profissional [polícia/exército], ou seja, detém o monopólio da violência de autolegitimação. É dizer, quando todos os meios não agressivos se esgotam e mesmo assim a autoridade suprema do Leviatã é contestada, resta-lhe apoiar-se na força de suas milícias para manter seu direito axiomático ao monopólio de emanar/criar normas que vencem o arbítrio).

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Primeiro post realmente anarquista OU debatendo a teoria do Estado II

Em meu último post, tratei de um assunto que ficou suspenso para que não alongar demais e cansar o leitor.

Se vou trabalhar conceitos com a profundidade e complexidade que eles merecem, ao mesmo tempo há que se respeitar um tempo necessário para entrar em contato com tais conceitos (tanto um tempo meu, quanto um tempo de quem lê o que escrevo).

Este blog nasceu no tempo certo, pois de tudo que irei falar aqui, ao menos alguma vez já pensei sobre. Tudo o que eu falei aqui estava sendo pensado por mim desde anos atrás, embora isso não impeça que eu acrescente algo, descubra algo novo a escrever (de novo) sobre tal assunto ou que mude alguma de minhas posturas antigas. O trabalho com conceitos exige que você entenda que não há uma identidade perpétua em seu íntimo, as coisas mudam. Não é uma evolução no sentido de que elas melhoram, mas é uma mudança no sentido de tentar colocar os problemas do modo mais adequado possível. Quase sempre não se trata de melhorar a elaboração conceitual, mas de problematizar de uma forma que corresponda mais com o que a realidade impõe.

(como eu disse, eu sempre iria voltar aos primeiros dois posts, isso é impossível não acontecer, pois o que guia o meu modo de escrever aqui neste blog são aqueles dois primeiros posts, eles são o método que uso para pensar. E tratar de conceitos de forma séria exige que sempre se ponha em questão o método de tratamento dado a eles).

E gostaria de começar o post relembrando os 5 principais pontos do que disse no último post, vamos a eles:

1) O primeiro ponto é que o Estado se auto legitima teoricamente por meio da teoria contratualista. Segundo tal teoria a sociedade aceita a existência do Estado como uma parte da sociedade que se põe hierarquicamente acima do resto da sociedade em nome de uma pacificação desta mesma sociedade.

2) A legitimação desta casta hierarquicamente superior se daria por meio do monopólio sobre os meios de coerção. Porém, como a casta sabe que é muito cara manter seu status assim, apela para meios menos sutis que agem antes de ser preciso usar a força. Isto se dá pelo convencimento das pessoas de que há certos serviços, certas prestações, que só um Estado (que seria uma entidade neutra, segundo eles) pode dar (como a justiça e a segurança).

3) Esta estrutura exige que os homens doem o direito mais básico que existe (na verdade o único direito que existe, do qual todos os demais emanam), que é o direito de ser dono de si mesmo, para ela (ela = a estrutura) e assim a estrutura devolveria em forma de doação aos homens diversos direitos. Dentro do entendimento do Estado, só há direito se o próprio Estado fundar tais direitos, ou seja, o direito estatal é positivo, não admite que temos direitos simplesmente pelo fato de sermos humanos.

4) Existem dois tipos de direitos: o natural e o positivo.

5) Cada direito que temos, gera uma obrigação para as pessoas de uma forma geral, sem o que nosso direito seria meramente teórico. Direitos positivos geram obrigações positivas, ou seja, obrigações de fazer – para que eles sejam efetivos alguém precisa fazer alguma coisa, para que eu tenha o direito “x” alguém precisa fazer uma coisa “y”, sem isso meu direito não passa de uma mentira. Direitos negativos geram obrigações negativas, ou seja, de não fazer – para que eu tenha o direito “k” uma pessoa precisa não fazer a ação que viole a “k”, pois naturalmente “k” já me pertence, é um direito meu simplesmente por já fazer parte de mim, sem o que eu não seria eu.

Estes são os pontos que eu gostaria de relembrar.

Disto isto, vamos à anarquia. Ou seja, como a anarquia lida com tudo isso.

Primeiro, a anarquia não aceita qualquer espécie de ação coerciva, qualquer tipo de imposição unilateral de vontades. A anarquia simplesmente no direito de que eu sou dono de mim mesmo como pedra de toque de sua teoria política. É dizer, qualquer coisa que viole este direito básico, viola a própria anarquia.

O nome anarquia já diz isso. Em grego o “a” é privativo, ou seja, ele priva, ele nega, o que vem adiante, funciona como “não”. Então este “a” de anarquia designa “não”-arquia. E arquia, em gregro, quer dizer “poder” ou “governo”, se formos interpretar de uma forma mais ampla, seria algo como “força política” (no sentido mais literal do termo, onde política quer dizer “coisa da polis” – em algum momento irei falar sobre a polis grega aqui, mas adianto que quer dizer cidade, embora não possamos entender “polis” no mesmo sentido das cidades que temos hoje ao redor do mundo). Por exemplo, mono + arquia = governo de um só, ou seja, modelo político onde apenas um (o rei) governa. Portanto, anarquia seria o não governo, ou seja, a ausência de um poder central que controla os demais, ausência desta classe hierarquicamente superior dentro da sociedade para controlar e impor à sociedade normas de conduta e organização dela mesma.

Observe que não é a ausência própria de ordem, mas a ausência de uma ordem imposta da casta que controla a sociedade para a sociedade que a anarquia nega. Há sim uma ordem grandiosa em qualquer teoria anarquista, inclusive o objetivo de qualquer teórico anarquia é a conquista de uma ordem social de cooperação entre os homens maior que qualquer ordem já existente em qualquer outro modelo, simplesmente por ser esta ordem totalmente voluntária. Eu já não teria que cooperar com o meu semelhante de forma não voluntária, aliás, eu eliminaria a mentira da cooperação não voluntária, que nada mais que é roubo. A cooperação exige o fator voluntário para ser cooperação.

Portanto, partindo do conceito de que todos são donos de si e que isso não pode ser nunca negado, que isto é uma regra universalmente válida e que quem viola esta regra compactua com um modelo autoritário, é que qualquer teoria anarquista deve partir. É a única regra geral da anarquia, é o seu “centro duro”, digamos assim.

Existem algumas conclusões básicas deste centro duro. Na verdade todas, mas eu queria destacar as que considero mais importantes por retirar do centro duro como consequência.

A primeira consequência do centro duro é entender que não é simplesmente uma liderança que viola a anarquia, mas uma liderança imposta. Ou seja, não é o poder em si que é combatido, mas o poder imposto (algumas pessoas dizem que o poder, quando não é imposto, se chama potência. Eu acho interessante esta noção simplesmente para não confundir as coisas. O poder e a potência se diferem justamente por um – o poder – ser imposto e outro – a potência – ser voluntário. Daqui para frente irei utilizar poder e potência e não mais poder imposto e poder voluntário). Portanto, uma liderança voluntariamente aceita é uma potência. Um exemplo disso é um médico, você vai ao médico quando sente uma dor, quando está doente, o médico prescreve um tratamento, receita um remédio, proíbe certas coisas, instiga que você faça outras coisas, mas você segue a prescrição médica se quiser, ele não irá te impor. Ou seja, você, voluntariamente, segue o que o médico diz. Ele teve uma potência de te ajudar, mas não o poder de impor a você a ajuda que ele pode te dar. E veja que isto é apenas UM EXEMPLO, várias outras relações podem ser vistas assim.

O segundo ponto que temos como consequência da clausura dura é que não existe UM ÚNICO modelo anarquista propriamente dito. Assim, falamos de anarquistas e não de anarquia. É dizer, são possíveis diversos modelos associativos capazes de dizemos anárquicos, a única condição é respeitar a cláusula dura da anarquia, onde ninguém é obrigado a abdicar de suas vontades para se associar. Se você não concorda com um modelo, pode criar outro, se não concorda com nenhum, pode criar o seu próprio modelo e viver fora de todos os outros que não lhe agradam. Ademais, é interessante perceber a importância de falarmos em anarquismo, posto que se tivéssemos apenas um modelo possível como aquelas pessoas que não concordam com tal modelo poderiam ser absolvidas pela anarquia? Lhes seria imposto um modelo de organização? Mas não é isso, precisamente, que fazem os Estados: impor um modelo de vida sob as pessoas que habitam um determinado território? Isso seria simplesmente recompor uma sociedade estatista.


Creio que seja isto por hoje, até a próxima.

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Primeiro post realmente anarquista OU debatendo a teoria do Estado I

Começo não pelo começo, mas com um prólogo que se circunscreve no que eu falei em minha primeira postagem por aqui. Como, àquela altura, falei, eu não sou regular, eu não tenho cobranças internas, eu não tenho regularidade. Ao mesmo tempo, percebi uma coisa, eu realmente gosto de pensar sobre política e, estando ausente do debate corrente nas redes sociais – algo que eu fazia muito antes – talvez consiga dar alguma sequência a este blog, por mais que demore a postar. O bom é que há tempo de maturar/ruminar os assuntos. E não, eu não preparei este post com carinho durante dias. Eu simplesmente me senti com vontade de falar sobre isso hoje, agora, vinte uma e quarenta e um do dia dezessete de janeiro de dois mil e quatorze. Simplesmente isso. Sem cobranças o processo, certamente, será mais lento, pois a única força que me impulsionará será a coceirinha que sinto de falar sobre isto.

E agora vamos enfrentar o “monstro” – que não é o Estado, mas o texto mesmo.

O tema é: Teoria do Estado. Nada mais justo que dizer o que seria isto. Teoria é uma tentativa de descrever algo racionalmente, portanto, teoria do Estado é uma tentativa de dizer o que é o Estado de modo racional. É algo descritivo mesmo. Mas quanta criticidade pode haver em uma descrição. Quero dizer: como uma mesma coisa, um mesmo objeto, pode ser descrito de modos tão distintos dependendo de quem o descreve. Lembro que alguns séculos atrás – segundo estudei na escola – havia a tal da “teoria da geração espontânea” que defendia que a vida podia nascer a partir de coisas não vivas. Hoje isso é totalmente rechaçado, mas havia uma explicação para isso, puramente baseada na observação, por exemplo, de que se você deixasse carne exposta e sem substâncias que a conservassem, meramente deixada e abandonada, iríamos ver vida ali depois de um tempo em putrefação. O que não é mentira, mas, também, o que não comprova, absolutamente, que a vida nasceu do nada, tanto é que depois se desfez esta teoria – não foi descer a minúcias nisso, primeiro porque é um exemplo ilustrativo que nada tem a ver com o tema em si; depois porque eu não tenho competência para falar sobre isso e não vou pesquisar sobre o tema, simplesmente porque, como eu já disse, descer à minúcias não ajudaria muito (se o leitor estiver curioso é simples: busque no google).

Pois bem, a teoria do Estado Moderno – este que conhecemos hoje – é baseada na ideia de contrato social, por isso seus teóricos são conhecidos como contratualistas (tendo como expoentes Locke, Hobbes e Rousseau). Estes teóricos concluíram – por diferentes meios – que o Estado era um pacto firmado pela sociedade consigo mesma onde as pessoas abriam mão de parte de suas liberdades e, portanto, de seus direitos mais valiosos, em prol de uma ordem estratificada da sociedade que estaria hierarquicamente acima dos demais componentes desta sociedade e que iriam dar a ela, sociedade, leis e ordem, enfim, segurança, em nome desta parcela de liberdade perdida. É bom entender que esta perca de liberdade não era total e sim parcial, para que a segurança, a paz mínima necessária para se viver em sociedade, fosse garantida. Então, segundo os contratualistas, para isto serve o Estado, que é precisamente esta composição de estratificada de pessoas em uma sociedade com vistas a dar a toda sociedade solução para os conflitos arbitrários que existiriam entre os componentes desta sociedade. Outro ponto interessante é que, envolvido nesta ideia de que renunciamos a parte de nossa liberdade em prol da segurança, o Estado toma de nós nossos direitos para se formar e devolve-os a nós quando se forma. Mas, neste processo de tomada e devolução, há uma perca substancial e irreparável: se, fora do Estado, éramos os verdadeiros portadores de nossos direitos que se referiam somente a nós, simplesmente porque, sem eles, não éramos nós, dentro de uma sociedade com Estado, com a suspensão destes tais direitos em um primeiro momento e a devolução dos tais direitos em um segundo momento, já não somos nós os portadores dos direitos, mas o Estado o fundador de todo e qualquer direito, sendo a ele que devemos recorrer se quisermos direitos.

E aqui algo fica nítido: o Estado não nos vê como seres dotados de direitos. O Estado vê a si como distribuidor de direitos. Os direitos que, antes, eram aquilo próprio de nós, humanos, agora são algo em poder do Estado e que a ele precisamos recorrer se os quisermos.

Dentro desta mesma linha de pensamento, podemos entender que algo, neste novo movimento de lidar com direitos, é modificado: enquanto que, sem o Estado, eu só tenho basicamente um direito, com o Estado eu tenho dezenas deles. Isto, aparentemente, é benéfico. Infelizmente é benéfico apenas aparentemente. Pois o direito que faz com que sejamos nós mesmos é o direito de sermos donos de nós mesmos. Ou seja, a este corpo que chamam de “Vinicius”, eu, e mais ninguém, sou o controlador. (E, ainda que existam “n” meios de contestar isso, desde teorias psicanalistas, até teorias filosóficas sobre sermos vários em um mesmo corpo, peço ao leitor que seja um pouco compreensivo ou, se não quiser, que pare aqui, pois eu tenho certeza que mesmo aqueles que concordam com as teorias as quais me refiro entendem perfeitamente bem sobre o que estou falando. É dizer, ainda que exista toda uma ordem que perpassa minhas forças para controlar meu corpo, ainda que isto seja lícito ser dito, eu continuo a ser a pessoa mais indicada para controlar meu corpo, inclusive porque se é assim comigo, é assim com todos. Conclusão: ninguém mais indicado que eu para saber e dizer o que é melhor para mim mesmo.) Se este básico direito de que eu seja o dono e controlador de mim mesmo e, portanto, de meu corpo, é tolhido de mim, então o meu único direito – do qual todos os demais decorrem – foi tirado de mim. O que me será dado são concessões e não direitos, pois direitos não são concedidos, direitos são, ou melhor: fazem com que sejamos o que somos e, sem eles, não somos nós mesmos em total plenitude, sempre falta algo.

Colocando o pensamento em ordem.

Segundo a teoria contratualistas do Estado:

1) A sociedade, sozinha, não é capaz de viver harmoniosamente;
2) Faz-se, portanto, necessária a presença de um ente, formado por pares da sociedade, que está acima da própria sociedade, chamado Estado, que arroga a si o direito de retirar os direitos de todos e devolvê-los após a sua formação institucional;
3) Este ente apartado hierarquicamente, estratificado verticalmente, é formado, segundo os contratualistas, por meio de um pacto social, de uma concordância geral desta sociedade; por meio de uma aceitação geral;
4) Quando aceita a presença do Estado a sociedade aceita, ao mesmo tempo, que sua liberdade seja confiscada em alguns pontos, para ter segurança, paz social, o mínimo de boa convivência possível necessária à cooperação de todos, evitando a guerra de todos contra todos que haveria – supõem os contratualistas – caso não houvesse o Estado e que havia quando ele não existia – justamente por isso a sociedade forma voluntariamente o Estado, daí o nome contratualismo;
5) Dentro deste “pacote de percas”, está a perca do direito de ser si mesmo, ou seja, do direito de controlar livremente seu corpo, de fazer com ele o que quiser fazer. Este direito, dentro de um ambiente com Estado, não faz mais nenhum sentido, posto que o Estado pode limitar seus comportamentos de acordo com o que o próprio Estado chama de “bem estar geral” ou “bem comum”, é dizer: é a proibição de certas práticas que, mesmo não sendo em si e por si violentas, acarretariam, segundo a lógica do Estado, em um mal-estar generalizado para a sociedade de tal forma que entraríamos em um estado social de guerra de todos contra todos contraproducente aos anseios de cooperação almejados por todos.

Esta pequena revisão de pontos é importante.

Retomo a linha argumentativa a partir do direito básico e fundamental de sermos donos de nós mesmos. Para começar, isto é auto evidente. Ninguém mais controla seu corpo que não seja você, é dizer, seus dedos, seus olhos, suas pernas, etc, não se mechem se você, e mais ninguém além de você, consentir e determinar que isso ocorra. Ainda que coloquem uma arma contra sua cabeça, você pode simplesmente negar e receber um tiro. Podemos alegar que é inexigível que, nessa situação, o sujeito não faça o que quem aponta uma arma contra sua cabeça exige, mas ele pode simplesmente negar-se e tomar um tiro. Efetivamente, quem move o corpo é o dono do corpo, mesmo que coagido a movê-lo. Este é o único direito que existe de fato, todos os demais advém daí. É a isto que denominamos jus-naturalismo: todos os direitos advêm de um direito que não é concessão de terceiros, mas possessão de todo e cada indivíduo, intrinsecamente inseparável deles são tais direitos.

O Estado, simplesmente, rompe com este preceito básico, porque não o reconhece, simplesmente ignora o único direito possível e funda os seus, em última instância, sob a mira das armas de suas milícias: quem não anda de acordo com suas determinações é alvo de suas milícias. E assim, o Estado entende o instituto dos direitos de uma forma completamente distorcida: direito é simplesmente o que ele concede como direito, o que ele garante, instituí, dá, como direito. Direito passa a ser uma migalha, uma esmola, que precisa ser mendigada, lutada, conquistada. Não é à toa que as pessoas dizem que “conquistaram” direitos, é literalmente isto em um mundo com Estado: conquistamos, por meio de lutas travadas a ferro e fogo, direitos. Estes são os direitos positivos. O Estado para dar direitos precisa, portanto, sugar para si o único direito possível, que é o direito de todos nós sermos o que somos como queremos ser. Arrogando a si o direito de determinar como devemos ser ele inventa outro modelo de direito, não mais baseado no que determinarmos a nós mesmos para ser, mas circunscrito no que ele, Estado, determina que (não) devemos ser/fazer. Há aqui uma circunscrição, uma delimitação, que tolhe de nós o direito de livremente determinamo-nos a nós mesmos, por isso devemos pedir permissão ao Estado para ser/fazer, só caminhamos com as nossas pernas quando ele as nos empresta. Esta é a “faceta mágica”, a “engenharia básica” de funcionamento do Estado: ele age como se não fôssemos nós os portadores do direitos de determinar o que somos, mas como se tivéssemos dado a ele tal direito. Só somos porque e o que o Estado nos deixa ser, nem além nem aquém, nestes limites, apenas neles, podemos andar, um palmo a mais ou a menos é motivo para que ele coloque em prática seu aparelho de coerção a fim de nos recolocar nos trilhos, nos limites por ele estabelecidos.

Esta é a teoria do Estado, segundo o próprio Estado, ou seja, o Estado existe para que a sociedade possa ela mesma limitar a si, é uma parte privilegiada da sociedade que tem o direito de impor limites à si mesma.

O Estado adota uma teoria positivista do direito, é dizer: direito é somente aquilo concedido, aquilo conquistado e, portanto, registrado, legislado, escrito, votado, chancelado, definido e limitado. Nem além nem aquém. Apenas isto. Esta teoria, por definição, ignora que somos, naturalmente, portadores do direito de sermos donos de nós mesmos. A partir desta teoria, só temos o direito de sermos donos de nós mesmos, nos limites concedidos positivamente.

Explicando melhor: há dois tipos de direitos, os positivos (que acabo de explicar) e os naturais (ou melhor, o direito natural, que é apenas um e dele provêm todos os demais).

Cada direito gera, automaticamente, uma obrigação. Sem isso o direito não é efetivo.

Explico:
O direito positivo, gera uma obrigação positiva. Para cada direito positivo, existe uma obrigação positiva, uma imposição de FAZER. Se eu tenho o direito a (tratamento de) saúde, alguém tem a OBRIGAÇÃO de me tratar ou de pagar para que eu seja tratado. Se eu tenho o direito a (serviços de) educação, alguém tem que me educar ou pagar para que eu seja educado.
O direito natural gera apenas e tão somente obrigações negativas. Para cada direito natural, existe uma obrigação negativa, uma imposição de NÃO FAZER. Se eu tenho direito a ser dono de mim mesmo, basta que ninguém tente ser dono de mim para que meu direito seja efetivo. Se eu tenho direito à vida, basta que ninguém tente me agredir ou me matar para que meu direito seja efetivo.
Há uma sensível diferença entre uma coisa e outra.

Esta não é, portanto, a teoria que os anarquistas adotam.

Os anarquistas são, por definição, contra o Estado e, por isso mesmo, naturalistas.

Não é a sociedade que abre mão de seus direitos voluntariamente e só então se forma a casta de privilegiados que controlará esta mesma sociedade. Ao contrário, a casta de privilegiados se forma por ter a seu serviço (ou ser, ela mesma) uma milícia impondo a um grupo de pessoas seu domínio. O Estado se forma, assim, de cima para baixo. Com o tempo, este grupo de milicianos percebe que não é viável (por quaisquer pontos de vistas) manter este grupo de pessoas controlados sob a mira das armas o tempo todo e decide criar meios não imediatamente violentos para justificar seu domínio. É aí que entram as teorias bem elaboradas do Estado e a concessão de certos favores aos dominados. Tudo para que uma coisa pareça ser o que não é. É uma dominação sutil.


Este texto está demasiado grande, creio que bom encerrar por aqui. Continuo falando mais sobre a visão anarquista na próxima postagem (não iria desdobrar isto em duas partes, mas é o jeito).





sábado, 11 de janeiro de 2014

Método de leitura



No meu post de abertura neste blog resolvi expor uma série de motivos que me fizeram abrir o blog.

O principal destes motivos foi simplesmente a vontade de parar de discutir “doxa”, “opinião”, “achômetro”, “bom senso” e SENSO COMUM, passando para um modelo que dá aos conceitos o “status” de serem pensados e não “achados”. Enfim, buscar a filosofia e não a ciência. Buscar a profundidade conceitual que a anarquia, que a política, que a economia e que a liberdade realmente merecem. Para de debater e embater verdadeiramente conceitos entre si, não para descobrir a verdade (pois esta é a tarefa da doxa), mas para descobrir problemas, colocar os verdadeiros problemas, saindo da besteira que é a arte de colocar falsos problemas, falsos obstáculos, que levam as forças potentes que temos sempre para produzir algo que não queremos, fazendo escapar nosso desejo de nós, estranhando-nos de nós mesmos. Era precisamente isto que tais debates estavam fazendo comigo e foi precisamente por isso que parei de debater.

Pois bem, este novo post é praticamente uma continuação do anterior. Aqui eu tenciono expor (de maneira enumerativa e não taxativa – ou seja, pode ser que existam mais coisas do que as que irei listar), o modo como eu vou trabalhar o pensamento dos outros autores e o meu próprio, o rigor que o pensamento deve ser tratado no meu modo de ver.

Antes de começar, um pequeno aviso: estou colocando estes pontos, mas pretendo sempre remeter-me a eles quando estiver usando cada um deles. Bom dizer que, como não é um processo taxativo, também não é um processo ordenado, nem, muito menos, esta separação que fiz aqui é real, ela é meramente apresentativo-expositiva, organizei assim para facilitar a exposição. O ponto “um” não se separa de nenhum outro, nenhum ponto se separa de outro, muito menos algum tem um tipo de privilégio sobre os demais. Simplesmente todos estão relacionados com todos ao mesmo tempo e é impossível explicar este método de forma completa – muito porque ele sempre está se atualizando em mim, não nos pontos “grandes”  mas em pequenos detalhes e formas de compreender certas sutilezas que estão contidas nele.

O primeiro ponto é não confundir a vida pessoal de alguém com a obra. Não podemos achar que um assassino não pode ser um ótimo literato, ou que um ótimo sociólogo nunca poderá ser um grande misantropo. A vida pessoal e a vida intelectual não só não podem, como quase nunca são, uma só e mesma coisa. Provavelmente, muitos dos que eu admiro por terem escrito certas coisas, seriam uma péssima companhia para conversar em uma tarde; outros tantos que não suporto ler duas linhas, tenho quase certeza, dariam ótimos amigos de longos anos.
(Existe, porém, uma exceção ao ponto um: que tal pessoa realmente tenha feito a confusão, defenda a confusão. A alguém que defende na sua obra uma vida monogâmica, não se pode exigir outra coisa que uma vida monogâmica. Se o sujeito tem uma mulher “oficial” e diversas amantes “por debaixo dos panos”, sua teoria não faz sentido algum para ele mesmo. Este é o ponto.)

O segundo ponto é não entender a obra de um autor como uma coisa só. Esta parte é praticamente um desdobramento da primeira. A obra de um autor não precisa ter coerência, ainda que ele queira que tenha coerência. Sendo mais claro: existem autores (em diversos ramos do saber) que se posicionam incialmente a respeito de um tema “x” da forma “1” e depois, a respeito do mesmo tema “x”, mudam para uma forma “-1”. O fato do autor ter mudado a forma de entender o tema, não quer dizer que o leitor necessariamente também precise mudar sua forma de entender o tema. Um exemplo clássico disso é o do filósofo austríaco Wittgenstein, onde ele revê sua opinião de modo antagônico a respeito da linguagem num dado momento de sua vida e, até hoje, existem defensores de cada um dos pontos se embatendo nos muros das universidades.

O terceiro ponto, que também está contido nos dois anteriores, é entender que aceitar o posicionamento de um autor sobre um determinado tema, não quer dizer que você precisa aceitar o posicionamento dele sobre todos os temas. Na verdade, a uma pessoa que se pretenda um pensador, deve sempre fazer isso, nunca concordar completamente com alguém, inclusive consigo mesmo. Sempre que um texto seu foi publicado, deve haver ali alguma coisa que lhe inquiete a tal ponto de você querer dizer de uma forma melhor, acrescentar ou retirar algo. Este ponto, por exemplo, é o que eu chamo de ter uma relação complexa com os textos que você lê, é dá ao seu objeto de estudo um tratamento verdadeiramente complexo, como ele merece ser tratado, é sair do reino da “doxa” e da busca pelas “verdades” ou pelas “mentiras”, que são blocos de concordâncias ou discordâncias totais.

O quarto ponto é encontrar a sutil diferença entre não repetir tudo o que foi dito por um autor sobre um algo tema e, ao modificar ali, não apunhalar o autor pelas costas. Apunhalar pelas costas é dizer precisamente algo que alguém não disse. É lícito criar interpretações e hipóteses de leitura, aliás, só se lê fazendo isso, ainda o mais rigoroso exegeta, aquele que tenda apenas ser um mediador entre o que lê e quem o lê, não consegue fazer tal tarefa com uma precisão de cem por cento. Nem, de fato, a pessoa que escreveu o texto consegue transportar de seu “aparelho intelectual” (digamos assim) aos signos de linguagem algo totalmente transparente, sempre escapa a nós (que escrevemos) algo que queremos dizer mas não conseguimos traduzir em linguagem, em palavras. Portanto, precisamente sequer quem fez o texto pode se interpretar, mas a diferença entre isso e interpretar distorcidamente de propósito é longa – a isto digo ser “desonestidade intelectual” (coisa que nossos amigos dos fóruns das redes sociais estão cheios).

Quinto ponto, que decorre do quarto. Quando pensamos, quando estamos dando ao conceito o rigor e o tratamento complexo que ele merece, estamos elaborando hipóteses interpretativas sobre algo. E hipóteses interpretativas são justamente questões, elaboração de questões. Este é o ponto que me interessa aqui: elaborar questões, fuzilar os temas a que me proponho pensar de questões. A resposta a tais questões, ou melhor AS RESPOSTAS, não são taxativas, não estão no mundo do certo e do errado, elas apenas funcionam ou não funcionam. A minha tarefa, ao pensar este assunto, é colocar as questões verossímeis, certas e rechaçar as falsas questões, inverossímeis. Portanto, elaborar hipóteses para interpretar um tema não é dar ao tema um tratamento fechado, mas um tratamento aberto, sempre esperando que a prática da vida mostre saídas possíveis e saídas falhas.


É possível pensar em dois tipos de hipóteses. Em hipóteses propositais ou intencionais e em hipóteses circunstanciais ou acidentais. Hipóteses propositais é o que vou fazer, ou seja, eu quero mesmo fazer hipóteses, não quero ser um mero exegeta, uma pessoa que tenta expor o que já está dito, apenas de uma forma mais acessível ao leitor menos habilidoso ou mais preguiçoso – como queiram. Hipóteses acidentais são aqueles onde quem as faz não quer fazer, apenas quer tornar o texto mais claro para outra pessoa, quer apenas competir com outros interpretes exegetas sobre quem consegue ser mais claro a respeito daquele texto. É a precisa tarefa dos “lanterninhas” dos cinemas nos anos 50. A este papel eu não quero me prestar. Quem faz hipótese sem saber, nunca sabe que está fazendo hipóteses e, portanto, correm o sério risco de legitimar teorias que desconhecem. Quando fazemos hipóteses sabendo que as fazemos, vemos melhor, mas claramente, o contexto onde estamos situados, a quem e o que defendemos. Esta é a grande diferença e a grande legitimação para que eu use esta metodologia de leitura teórica como arsenal de suporte para pensar as coisas com a complexidade que elas merecem.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Nesse primeiro post do blog eu gostaria de falar sobre coisas mais amenas, menos densas do que será o de costume.

Primeiro: agradecer à Jéssica pela idéia de criar o blog.

Segundo: dizer para todos os que estão lendo isso o que eu disse para ela em um primeiro momento, quando disse que não iria criar o blog (e eu não retiro uma vírgula do que disse): certamente, nos primeiros dias, no primeiro mês, eu irei postar muito, depois isso vai escassear até que vou baixar a nada de posts. Portanto, conto com a colaboração de vocês me cobrando para que poste (inclusive, se quiserem, com sugestão de temas a comentar). A menos que não gostem e não queira que eu siga. Eu preciso dessa cobrança, caso contrário relaxo.

Terceiro: o motivo que me fez retroceder no que eu disse à Jéssica. Bom, eu estava envolvido em debates a respeito de anarquia em redes sociais há muito tempo, creio que desde 2006, ainda no “finado” orkut (se você procurar a comunidade anarquismo irá ver muitos comentários meus, muitos, inclusive, falando coisas com as quais eu nem concordo mais hoje, pois ao longo destes quase 10 anos minha visão política mudou muito em torno de pensar a anarquia). Depois do orkut, passei para o facebook, embora não tenha mais de um ano que estou envolvido nestes grupos. Ao mesmo tempo, em minha vida pessoal, sou um estudante de filosofia que não consegue separar vida de estudo. Ou seja, minhas leituras em filosofia estão em consonância com as coisas que vivo, com as coisas que concordo, os filósofos que leio dizem algo para a minha vida, para o meu pensamento político e, obviamente, ajudaram a formular o que hoje penso sobre anarquia. Um desses, diria que a maior influência, filósofo é Gilles Deleuze (para mim ele é o príncipe da anarquia, embora se um desavisado for ler sua obra jamais conseguirá encontrar onde e como ele fala de anarquia ali, ele fala de anarquia o tempo todo, da primeira à última obra, da primeira à última palavra. Deleuze era um anarquista convicto, talvez por isso mesmo não fosse um anarquista apologeta em seus livros, sua vida fala mais que qualquer coisa). O que acontece é que, depois de tanto tempo na luta do rochedo contra a onda do mar, debatendo verozmente nas redes sociais, eu entendi algo que Deleuze diz muito, entendi num rompante. Algo, aliás, que já está presente nas obras de Platão, de Sócrates, porém não, talvez, com tal incisividade. As pessoas estão ali discutindo “opiniões”, “doxas”, coisas superficiais e sem o devido cuidado, sem o tratamento respeitoso que o pensamento merece. Cansei de rebaixar-me ao nível da doxa, por isso preferi me “exilar” em um blog e aqui aprofundar meu pensamento do jeito que melhor me apraz, longe das picuinhas, longe das polêmicas, resolvi criar um espaço para o meu pensamento. Cansei dos debates que não levam a lugar nenhum, de pessoas que querem defender a sua ideologia acima de tudo ou de pessoas que querem simplesmente ganhar o debate. Isso rebaixa o pensamento, isso prende a potência de pensar ao mais baixo e vil. Isso castra as forças criativas, desativa todas as potências boas. E, tenho certeza, fazendo isso irei encontrar bons afetos, afastar maus afetos. É uma espécie de resistência nomádica, criação de um espaço vital ao pensamento, longe da besteira, longe do bom-senso, longe da mesquinhez dos duelos egóicos que apenas querem colocar suas ideias no topo do pedestal.

Dito isto, não me proponho, portanto, a criar verdades absolutas e fechadas, justamente por isso, recuso-me a procurar um debate onde a verdade seja seu objeto. Aqui temos problemas e problemas podem ser resolvido de “n” maneiras, não há maneiras certas ou erradas, problemas simplesmente podem ser verdadeiros ou falsos, é justamente do mundo dos falsos problemas que estou me livrando ao deixar de debater como nestes últimos 8 anos fiz – e confesso que muito com isso não ganhei, minha transformação pessoal não veio destes debates, mas de um profundo interesse meu pela leitura e pelo pensamento, o que sempre aconteceu longe daquele espaço.

A isto chamo nomadizar, tomando emprestado um conceito de Deleuze. Nomadizar é precisamente desocupar, mas não como um “fujão medroso” e sim como um ser ativo, criativo e resistente. Não me interessa a luta pelo poder que estes espaços propõem, em nenhum momento interessou, eu apenas pensei que fosse possível criar ali um ambiente de debate de pensamentos, mas não consegui. Pode ser que outra pessoa, com outras pessoas, possam conseguir tal coisa. Eu não consegui, foram, de fato, maus encontros. Resta desocupar os lugares, as zonas de poder e criar um espaço próprio para pensar sem os abismos postos naqueles espaços.

Este não é um blog para debates, este é um blog para compartilhar inquietações minhas comigo mesmo a respeito da anarquia. Se querem debates entrem nas redes sociais. Não me importo que comentem, mas não estou preocupado com “feed-back” com leitores, não estou preocupado com nada mais que o meu próprio pensamento, a única razão que me leva a fazer este blog é ter um espaço para problematizar questões anarquistas. Em tempo: há uma grande diferença entre problematizar e debater. Certamente muitas outras pessoas podem ter inquietações-problema parecidas com as minhas, compartilhar isto pode ser algo extremamente positivo, mas não estou preocupado com pessoas que vêm aqui apenas para retrucar o que falo. Podem comentar à vontade, mas eu nem vou ler o que falam se forem apenas "retrucações", não vou considerar, não vou me preocupar, enfim. É justamente disso que estou fugindo, não quero mais debate, talvez embate seja o nome certo, e é preciso que o sujeito saiba empunhar muito bem a espada para que esteja a altura de um embate comigo, não dou essa honra a qualquer um. Aqui o pensamento é o privilegiado, a besteira não tem vez, não se cria. Que passe longe o bom senso e o senso comum. As coisas precisam ser tratadas com o respeito e, portanto, com a complexidade que merecem ter. Se não for assim, o que seria eu além de um pequeno bobo achando que é esperto por vencer todos os debates? Teríamos mais um pombo enxadrista na internet.


Quarto (e último): este espaço visa comentar anarquia, mas também a partir de uma visão autonomista do homem, entendendo auto-gestão como, principalmente, auto-gestão de si mesmo, auto-gestão de sua própria vida. Com a ajuda do rigor conceitual, com a ajuda de intercessores interessantes, mas sempre traçando uma fuga estratégica de coisas que apenas servem para retirar nossas energias finitas e que devem, portanto, ser usadas para pensar, não parar rixas de debates que levam nada a lugar nenhum e deixam o pensamento fugir. E também é possível (99,9999%) que eu coloque vídeos aqui.